Monotropism

História do Monotropismo

Fergus Murray e Wenn Lawson (2022)

Dinah Murray concluiu o seu doutoramento em psicolinguística na University College London em 1985, com o título “Linguagem e Interesses“. Tinha passado muitos anos a explorar as relações entre linguagem, interesses e pensamento, na altura em que a sua amiga e colega linguista Robyn Carston lhe emprestou uma cópia de “Autism: Explaining The Enigma” de Uta Frith. Na realidade, Frith não explicava o enigma, mas Dinah tinha a sensação de que talvez o conseguisse fazer.

Começou a conhecer pessoas autistas, em grande parte para ver se a sua teoria se confirmava, e acabou por se tornar uma colaboradora ativa, durante muitos anos, tendo feito amizade com um grande número de pessoas autistas, profissionais de autismo e familiares de autistas. Tornou-se também uma presença assídua na conferência de autismo de Durham, onde, em 1992, apresentou pela primeira vez em público o monotropismo, com “Attention Tunnelling and Autism”.

A certa altura, um dos seus amigos autistas, o artista Ferenc Virag, que não falava, disse-lhe não acreditar que ela não fosse autista e, apesar de Dinah ter inicialmente rejeitado a ideia, esta sempre se manteve latente na sua mente.

Entretanto, Wenn Lawson (na altura Wendy Lawson) – que já sabia que era autista havia algum tempo e que fora diagnosticado em 1994 – estava a trabalhar num conjunto de ideias muito semelhantes na Austrália. Ele escreveu sobre o seu primeiro encontro com Dinah:

‘A Dinah estava por acaso numa conferência, em 1998, onde eu estava a apresentar o tema “Vida e Aprendizagem no Autismo”: Atenção unifocalizada”. Ficámos ambos igualmente entusiasmados por ouvir falar da investigação um do outro. Afinal, enquanto eu investigava e ensinava estes conceitos na Austrália, a Dinah estava a desenvolver o mesmo pensamento em Inglaterra. Esse primeiro encontro viria a ser o início de uma parceria de trabalho e de uma amizade para toda a vida”.

Linguagem, interesses e autismo: Uma homenagem à Dra. Dinah Murray (1946-2021), uma pioneira do autismo

Dinah e Wenn em 2005

Em 1995-1997, Wenn (na altura Wendy) apresentou o tema  autismo e comunicação, com base nos conceitos de “monotropismo” de atenção unifocalizada na Nova Zelândia e num conjunto de palestras em Victoria (Austrália). Durante esses anos, trabalhou também no “Southern Autistic Services”, contribuindo para a formação e desenvolvimento de conhecimento entre o pessoal que trabalha com clientes autistas. Em 1997, Wenn escreveu para o “Victorian Social Work” sobre a necessidade de compreender o autismo como “pensamento literal” (um resultado direto de se ser monotrópico) e a necessidade, por parte dos indivíduos autistas, de terem estrutura e rotina.  Em 1998 (antes do primeiro encontro de Dinah e Wenn), Wenn escreveu o seu primeiro livro “Life behind glass” (uma autobiografia em nome de Wendy Lawson) e, no seu conteúdo, escreveu muitas vezes sobre a sua necessidade de rotina, estrutura e concentração numa coisa de cada vez. Em 1999, Wenn concluiu a sua tese de licenciatura (em Serviço Social), com base no mesmo entendimento cognitivo do autismo como uma atenção unifocalizada. Em 2001, Wenn escreveu Understanding and Working with the Spectrum of Autism (Compreender e trabalhar com o espectro do autismo), para o qual Dinah contribuiu com a bela ilustração de: 

“…cardume, os muito neurotípicos estão aglomerados no meio…., virados para a mesma direção…os muito autistas…. afastam-se sozinhos; os não tão neurotípicos nadam mais ou menos na mesma direção, mas na borda do cardume…os não tão autistas perdem de vista o cardume, mas geralmente são capazes de o apanhar e nadar ao seu lado…

No livro, ele (então, Wendy Lawson), explica de forma explícita os dois estilos de aprendizagem cognitiva muito distintos, próprios das pessoas autistas e das não autistas, enquanto utilização de uma atenção unifocalizada (monotropismo) no autismo e, no caso das pessoas não autistas, a capacidade de mudar ou dividir a atenção mais facilmente (politropismo).  Estes conceitos mantiveram-se como temática de todas as publicações de Wenn, ao longo dos anos, e em cada um dos seus 23 livros (até à data) e mais de 30 artigos.

Um dos frutos da parceria entre Wenn e Dinah foi o artigo de 2005 na revista “Autism”, em colaboração com o colega e pensador autista Mike Lesser: Atenção, monotropismo e os critérios de diagnóstico do autismo (versão HTML). Mike foi um matemático que introduziu a compreensão dos sistemas dinâmicos como suporte para a compreensão da forma como as diferentes mentes funcionam; ele e Dinah tinham trabalhado juntos nestas ideias desde os anos 90, tendo sido entrevistados para o Observer nesse ano.

Dinah e Wenn tornaram-se grandes amigos e colegas, passando muitas horas juntos. Apesar de se encontrarem em lados opostos do Globo, coordenaram as suas ideias e, no ano 2000, Dinah juntou-se a Wenn numa digressão de palestras pela Austrália, onde, em conjunto, apresentaram à Austrália os conceitos de atenção unifocalizada, regida por focos profundos de interesses, ou “monotropismo”.

Dinah e Wenn viajaram também juntos pelo Reino Unido, fazendo apresentações na Irlanda, País de Gales, Inglaterra e Escócia. Quanto mais tempo passavam juntos, mais se tornava evidente para Wenn que Dinah era autista. Isto levou a que, em abril de 2009, Dinah fizesse uma avaliação de autismo (então denominado Síndrome de Asperger). 

Separadamente, nos seus respectivos países (para além da colaboração contínua), continuaram a investigar e a escrever. Wenn, que estava a trabalhar no seu doutoramento desde 2002, concluiu mais tarde a sua tese intitulada, Atenção Única e Cognição Associada no Autismo (SAACA), aprofundando e expandindo a ideia de monotropismo, e que de origem ao livro The Passionate Mind (2011). Wenn publicou ainda sobre a neurociência da atenção, no OA Autism, em 2013, e escreveu dois importantes artigos, em parceria com Brynn Dombroski, no Journal of Intellectual Disability – Diagnosis and Treatment (2015 e 2017). Num artigo conjunto em 2021, fez ainda alusão à ligação existente entre a atenção no autismo e no PHDA.Tanto Wenn como Dinah fizeram inúmeras apresentações sobre o autismo em todo o mundo, utilizando a lente do monotropismo para ajudarem as pessoas a dar sentido às suas experiências enquanto autistas. Por volta de 2011, o seu amigo comum Damian Milton, académico autista, começou também a publicar sobre o monotropismo, trazendo um contributo importante sobre a sua relação com os estados de fluxo e o seu papel no problema da “dupla empatia”, que ajuda a explicar muitas das dificuldades sociais enfrentadas pelas pessoas autistas.

Em 2018, o PARC organizou uma mini-conferência “Autistic Fringe” sobre Monotropismo, em paralelo com a principal conferência anual do Autismo Escocês (gravações a seguir). Na mesma altura, Fergus escreveu “Eu e o Monotropismo: Uma teoria unificada do autismo” para a revista The Psychologist, defendendo que as ideias que Wenn e Dinah desenvolveram, fornecem uma explicação muito mais abrangente e menos problemática do autismo do que qualquer uma das teorias cognitivas mais consagradas. Muitas pessoas autistas disseram que o conceito de monotropismo transformou a forma como se compreendiam a si próprias; o artigo foi amplamente partilhado e acabou por ser o mais lido da revista em 2019. Uma minoria diz não sentir que o Monotropismo os descreva de todo; é necessária mais investigação para determinar se algumas pessoas autistas são politrópicas, se simplesmente não se identificam com as descrições que encontraram, ou se se trata de alguma outra coisa.

Demorou muito tempo até que o mundo da psicologia se apercebesse,mas nos últimos anos o Monotropismo tem recebido muita atenção, não só na comunidade autista, mas também entre os investigadores do autismo – especialmente, mas não exclusivamente, entre os investigadores autistas. Quase todas as semanas saem novos trabalhos revistos por pares que falam sobre o assunto, e o Monotropismo é abordado em cada vez mais cursos universitários sobre autismo.Como Patrick Dwyer escreve, o Monotropismo é provavelmente, ‘dentro da comunidade autista adulta, a abordagem teórica dominante relativamente à compreensão do que é o autismo’. É um tema recorrente em Learning from Autistic Teachers, um livro dedicado à “Dra. Dinah Murray, que nos ensinou muito”. A investigação empírica sobre a teoria do Monotropismo está finalmente a arrancar e este site será atualizado assim que houver mais para partilhar.

In this picture, Dinah and Wenn are shown contemplating the towering, stony barrier before them.
Outra fotografia da Dinah e do Wenn em 2005, em Giant’s Causeway.

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